Nascido no dia 19 de setembro de 1962, numa pequena cidade próxima à região de Marília, Rinaldo Puia é filho de uma professora e de um agricultor. Com mais de 30 anos de experiência e carreira na Polícia Civil, o delegado vive desde 1991 na cidade de Piracicaba (SP). Então, em 2013, o município de Piracicaba, local onde ele escolheu para viver, retribuiu o carinho e decidiu acolhê-lo. Foi neste ano em que o delegado recebeu, por meio do Decreto Legislativo 85/2013, o título de Cidadão Piracicabano.
Nesta entrevista concedida ao jornalista Rafael Fioravanti, do Jornal PIRANOT, o delegado Rinaldo Puia fala sobre o seu trabalho, sobre os casos que mais o marcaram, sobre sua vida e, claro, sobre a questão da segurança no município de Piracicaba. Entrevista imperdível e bastante esclarecedora.
Gostaria que o senhor me falasse um pouco mais sobre você.
Quando criança, meus pais tinham por hábito que eu e minha irmã nos sentássemos com eles à noite para ficar conversando à mesa. Meu pai lia jornal, minha mãe corrigia provas e tínhamos que estar sempre estudando. Então, o hábito da leitura e do estudo veio desde o princípio. Eu entrei na faculdade em 1980, em Marília. Aos 21 anos, em 1983, concluí a faculdade. Advoguei por alguns anos até que pudesse escolher o que eu realmente queria para a minha vida. Dentre as carreiras jurídicas, me simpatizei mais com a carreira do delegado, pois sempre gostei de investigação. Em 1989, passei no concurso em São Paulo; e de lá, vim para cá. Hoje tenho por hábito uma fixação: a alimentação deve ser feita à mesa com toda a família reunida. Em casa isso deve ser feito pelo menos uma ou duas vezes na semana, tal como era na minha infância. Sabe por quê? Porque quando fazemos algo errado, virá à nossa cabeça a imagem da família toda reunida, conversando. Será que valeria a pena decepcionar todos eles? Eu recomendo essa reunião a todas as famílias.
O senhor chegou em Piracicaba em que ano?
Cheguei aqui em 1991.
Como é o início de carreira de um delegado?
Eu digo que ainda não há diferença. Apesar das ascensões dentro da classe, dentro da própria instituição, eu costumo dizer que quem tem vocação, exerce a profissão da mesma forma como ingressou. Evidentemente as condições físicas e psíquicas não nos autoriza a fazer tanto quanto fazíamos antes, mas o pique e a jornada de trabalho continua quase que a mesma.
Eu gostaria que o senhor elucidasse ao leitor como é a rotina, o dia-a-dia, de um delegado.
Primeiro, eu digo sempre que policial não é funcionário público. Policial está à disposição da sociedade 24 horas por dia, então não temos uma rotina. A profissão do policial, e o delegado está envolvido, não é uma rotina. Você sabe que vai entrar no trabalho às 08 horas da manhã, mas não sabe o horário que você vai sair. Diante de sua rotina de trabalho, surgem diversos casos. E há casos mais delicados, que exigem mais dedicação, e que levam horas para se encerrar. Então não temos um horário definido.
De todos os casos que o senhor presidiu, qual mais te marcou?
Vários! Eu digo sempre que quando você tem vocação e gosta do que faz, o furto de uma bicicleta para quem não tem condições financeiras e é o único meio de transporte, faz com que a recuperação desse bem furtado seja como se recuperássemos uma BMW para uma pessoa que também foi vítima do crime de furto. Há vários casos que me lembro, mas me recordo bastante de roubos seguido de morte, homicídios, roubos seguido de estupro. O caso que mais me chamou a atenção aqui em Piracicaba foi o caso “Stella Drinks”. Chamávamos de “Caso Stellinha”. Ocorreu há vinte e poucos anos atrás. Ela era uma mulher bastante conhecida e tinha uma boate. Ela era usuária de drogas e acabou sendo vítima de um homicídio. O corpo foi encontrado e, através de um trabalho de campo, percebemos que houve uma simulação de roubo seguido de morte. Através das investigações, um detalhe que chamou a atenção minha e do perito Ananias, já aposentado, é a forma como um dos vidros do automóvel foi quebrado. Nós percebemos que a quebra do vidro havia sido feita de dentro para fora. Ela estava caída morta dentro do automóvel com um dos pés para fora do veículo, mas, no local, tudo representava que ela conhecia quem estava com ela. Essas nuances nos levaram a determinar que se tratava de um crime de mando. Posteriormente, todos os envolvidos foram detidos e condenados.
Qual é o pontapé inicial de uma investigação? Como tudo começa?
O pontapé inicial de toda investigação é o local do crime. Nós sempre dizemos que o local do crime fala, por isso sempre tratamos de preservar o local de um delito. É ali que está o início. É através das provas que colhemos, da posição do cadáver, da posição dos objetos, toda análise do ambiente de um crime dá início às investigações.
Não há um crime perfeito?
Não. Existem evidentemente crimes bem preparados que demandam de nós, investigadores, mais força de vontade, continuidade e empenho para que ele seja elucidado.
Qual o tipo de crime mais corriqueiro aqui no município atualmente?
Veja só uma coisa interessante. Em 1995, eu fiz uma das primeiras apreensões de crack daqui de Piracicaba. Eu trabalhava na DISE (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes). A partir do momento em que essa bendita droga adentrou a sociedade brasileira, houve uma escala de crimes diferenciados. Hoje, levado ainda pela crise financeira que o país atravessa, o que mais temos é o tráfico de entorpecentes. Em termos de flagrante, é o crime que mais temos.
Qual é a maior dificuldade que a Polícia Civil enfrenta atualmente aqui em Piracicaba?
Respondo com sinceridade: necessitamos de recursos humanos. A Polícia Civil de Piracicaba carece disso. Nós trabalhamos bastante, porém a maioria dos policiais que temos hoje já estão prestes a se aposentar, já estão velhos e com muitos anos de trabalho nas costas. Nós precisamos de uma reformulação a contento, uma reformulação somada com vontade e experiência. Isso é extremamente necessário para que uma instituição como a Polícia Civil se mantenha, uma instituição que é centenária.
Qual é a sua opinião a respeito da redução da maioridade penal?
Eu digo que é impossível fazer uma camisa sem manequim. Deveríamos setorizar o cumprimento de penas. Se um indivíduo comete um crime aqui em Piracicaba, ou na sub-região, ele deve ficar preso aqui na região ou em Piracicaba. Condenado a cumprir pena próximo à família, para que ele tenha condições de se regenerar, de melhorar, de pagar sua dívida, por assim dizer, junto à sociedade pelo crime que ele cometeu. Em relação ao adolescente, é a mesma coisa. É necessário um estudo aprofundado para que eles não sejam jogados em uma vala comum sem chances de ressocialização. Nós precisamos modificar a vida deles, porque, conforme envelhecemos e atingimos, por exemplo, nossos 30 anos de idade, esses adolescentes que praticaram crimes lá atrás começam a ter racionalidade e pensar em todos os erros que cometeram. Eles começam também, conforme passa a idade, a pensar nas consequências do que fizeram. Penso dessa forma: todos os adolescentes, ainda que presos, devem ter condições específicas de se ressocializarem. Eles não devem ser jogados em um presídio e abandonados sem estrutura para essa modificação.
Como o senhor analisa a questão da segurança aqui no município de Piracicaba?
Crimes existem em todos os lugares. Todos os municípios brasileiros padecem, atualmente, por conta da questão da segurança. Basta vermos as últimas eleições. Um dos destaques nas últimas eleições foi a questão da segurança pública. Por quê? Por conta da questão do narcotráfico, por conta do uso de drogas. É um erro atribuir essa situação somente à polícia; há inúmeras outras causas que precisam ser avaliadas para que modifiquemos todo o resultado desse uso de drogas permanentes. Como já falei, eu prendi drogas em 1995 e, hoje, ela já se tornou uma epidemia. Essa epidemia levou à violência e à alta criminalidade. Então é uma cadeia, infelizmente. Mas eu também penso que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deve passar por alguma revisão. Ensinaram muitos direitos aos adolescentes, mas poucos deveres. E mais: os pais saem hoje para trabalhar, a criança fica sozinha em casa e se vê na situação da escola suprir suas necessidades. A escola deve dar conhecimento e educação, porque a base, responsável pela formação da personalidade, deve vir dos pais. Por isso vemos o índice assustador de adolescentes envolvidos na prática do crime.
Qual o maior conselho que o senhor pode passar a um jovem que pensa em seguir a carreira de delegado?
Todo jovem que tem limite, religião, que se esforça conscientemente e busca o que quer, alcança seus objetivos. Não tenho dúvida disso. E para ser um delegado de polícia, é necessário fazer uma faculdade. São cinco anos, mais o tempo de estudos, para que o jovem possa se submeter a um concurso público e se tornar um delegado. Eu não dou conselho apenas ao jovem que pretende se tornar um delegado, mas a um jovem que pretende se tornar qualquer coisa. O jovem deve ter assiduidade, limite e se deixar conduzir por princípios religiosos e pelos ensinamentos dos pais, buscando sempre um princípio moral e ético. O jovem deve estar sempre se dedicando e não pode ter preguiça de trabalhar e estudar. Assim, não tem como não dar certo. Se olharmos para os bairros periféricos de Piracicaba, nós veremos asfalto, escolas, então está tudo aí à porta. Antigamente, as crianças tinham que andar a pé para ir estudar em escolas rurais. Eu fui criado numa cidade pequena próxima a Marília, e lá tínhamos fanfarra, quadras esportivas, professores de educação física, ou seja, nós vivíamos em torno da escola e participávamos de tudo. Hoje se perdeu essa essência. O jovem vai à escola, fica algumas horas ali e depois volta para casa e não faz mais nada. Já pensou se, hoje, os jovens tivessem uma área de lazer com professores e uma grande variedade de esporte? Isso seria muito bom.