CAROLINA MORAES
SÃO PAULO, SP
No começo do isolamento social, a designer de interação Viviane Tavares, 25, quase não sonhava. Em pouco tempo de quarentena, no entanto, ela passou a perceber ter sempre o mesmo sonho. Nele, sua rotina programada para o próximo dia era vivida da maneira com que aconteceria se ela pudesse sair na rua.
“Tinha dinâmicas que eu ia fazer remotamente no dia seguinte, mas eu sonhava que estava acontecendo lá, no espaço do trabalho”, conta.
Tavares não é a única a sentir esses sonhos de forma mais frequente e a relacioná-los à pandemia de coronavírus.
“Uma das coisas que estão acontecendo hoje é que as pessoas estão sonhando muito”, afirma Paulo Endo, psicanalista e professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).
Ele coordena uma pesquisa batizada de Inventário de Sonhos, que recolhe, em uma plataforma online, relatos de sonhos nesse período para serem analisadas posteriormente. Em 24 horas, o projeto recebeu 80 depoimentos.
O inventário se inspira em outros trabalhos feitos em períodos traumáticos, como o Apartheid Project, que recolheu testemunhos relativos a experiências vividas durante o apartheid, na África do Sul, e “O Terceiro Reich dos Sonhos”, livro da pesquisadora Charlotte Beradt que reúne sonhos da época do holocausto.
Neste último, a autora afirma que “os sonhos são os sismógrafos do tempo presente”.
“Tem coisas que estamos vivendo, e que já estão aparecendo no mundo inteiro, que é o que aparece em cenários de ditadura, totalitarismo ou guerra, quando as pessoas não podem acessar os elementos básicos, materiais, sociais e públicos para elaborar a morte do seu morto”, explica o psicanalista. “Achamos que o sonho é um produto extraordinário porque ele pensa em uma outra lógica que, em vigília, nós não conseguimos pensar.”
Um dos sonhos que ele cita como exemplo foi vivido em Auschwitz. Nele, um pequeno empresário judeu sonha que quando Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, entra em seu negócio, ele passa horas tentando levantar a mão para fazer a saudação nazista.
Ele relata que sentia tanta dor no braço que, ao acordar, sentiu a mesma dor física.
Quando o judeu finalmente consegue estendê-lo, no sonho, Goebbels disse: “Essa sua saudação, eu desprezo” e deixou o local.