Em pouco mais de duas semanas, o número de mortos confirmados pela Covid-19 mais do que triplicou na cidade de São Paulo, enquanto os novos casos suspeitos de infecção quadruplicaram. Enquanto essa nova onda leva o município a buscar vagas na rede privada para ampliar sua capacidade de internações, representantes de hospitais privados afirmam que o Ministério da Saúde e muitos estados têm sido lentos em procurá-los para suprir uma falta de leitos de UTI que cresce rapidamente.
Segundo eles, a disputa política entre o governo federal e alguns estados, que vem marcando essa crise desde o início, estaria atrasando essas parcerias –o que pode causar desorganização no sistema mais à frente.
Na cidade de São Paulo, o total de mortos confirmados vítimas do coronavírus passou de 422 no dia 9 de abril para 1.337 na segunda-feira (27). Somando-se os casos suspeitos, o salto no total de óbitos foi de 1.110 para 3.030. Já a média diária de registros de casos suspeitos de infecção pelo coronavírus mantinha-se em 812 do início da epidemia até quinta passada (23). Agora, ela saltou para mais de 3.000.
“Até o fim da semana, a curva vinha de um jeito. Agora, está muito mais acentuada”, diz o secretário de Saúde do município, Edson Aparecido. À reportagem, ele atribuiu a aceleração ao relaxamento do isolamento social. “Foi um salto brutal, com muito mais gente indo aos hospitais.” Segundo Aparecido, o sistema de saúde de São Paulo opera com uma lotação de 75% nas unidades de tratamento intensivo — percentual que pode crescer rapidamente se a nova tendência for mantida.
A prefeitura agora está em uma corrida para aumentar o número de leitos novos na cidade e para obter vagas ociosas no sistema privado. A estimativa de é que existam em São Paulo cerca de 1.500 leitos privados de UTI vagos.
Apesar de a ocupação dos leitos de UTI no Sistema Único de Saúde (SUS) estar perto do limite em vários estados, administradores de hospitais privados afirmam que o Ministério da Saúde e os governos estaduais estão sendo lentos em tomar a iniciativa de procurá-los em busca de vagas.
Segundo Adelvânio Francisco Morato, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), que reúne 4.200 instituições no país, a ociosidade média nos leitos de UTI do sistema privado é de 50% –o que garantiria uma boa retaguarda quando os casos aumentarem.
A folga na rede é atribuída ao fato de os hospitais privados terem sido os primeiros a atender os casos de pacientes com coronavírus, principalmente os de maior poder aquisitivo que vieram do exterior infectados.
Essa onda já passou, e como os clientes de planos de saúde têm geralmente mais condições financeiras para permanecer em isolamento social, eles estariam ficando menos doentes nessa fase da epidemia –que passou a afetar com mais força a população de menor renda.
Além de ter proporcionalmente mais leitos que o SUS, a rede privada também tinha uma taxa de ocupação de UTIs menor antes da crise –de 80%, ante 95% no sistema público. No SUS, praticamente já não existe espaço em alguns grandes hospitais de São Paulo, nem nos de cidades como Manaus, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro.
Na média nacional, o SUS conta com 1,4 leito de UTI para cada 10 mil habitantes, sendo que estados no Norte e Nordeste têm menos do que isso. No setor privado, a média salta a 4,9 por 10 mil segurados, segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
“Já mandamos alguns ofícios ao Ministério da Saúde pedindo um planejamento mínimo para suprir uma demanda que certamente virá, mas não tivemos resposta”, diz Morato, da FBH. Ele atribui à disputa política envolvendo o governo federal e vários governadores a falta de entendimento até agora para essa questão.
Já o presidente de um dos maiores hospitais privados de São Paulo, que prefere não ser identificado, diz que a discussão sobre o uso de leitos privados pelo SUS está desconexa e contaminada por um debate politizado.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que estuda diversas possibilidades para atendimento da população no SUS. “O uso de leitos de hospitais particulares é uma das ações que ainda estão em análise para serem adotadas de acordo com a evolução da doença no país”, informa a pasta.
Segundo Morato, não há motivos para esperar essas tratativas quando, por se tratar de uma doença altamente infecciosa, será preciso delimitar meticulosamente áreas inteiras de hospitais particulares que vierem a ser utilizadas pelo SUS –o que levará tempo quando isso for decidido.
A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), que reúne 122 hospitais e entidades filantrópicas, também informa que ainda não foi procurada pelo Ministério da Saúde para negociação de leitos e que está à disposição da pasta. “A requisição pode ocorrer quando houver uma necessidade concreta, mas deve ser feita de uma maneira harmoniosa, acordada por ambas as partes”, diz a entidade.
Na semana passada, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão do ministério, divulgou resolução pedindo à pasta que “assuma a coordenação nacional da alocação dos recursos assistenciais existentes, incluindo leitos hospitalares de propriedade de particulares, requisitando seu uso quando necessário, e regulando o acesso segundo as prioridades sanitárias de cada caso” –orientação repetida às secretarias estaduais e municipais de saúde.
Em grande parte dos casos, é o próprio governo federal quem banca o aluguel dos leitos de UTI privados que são utilizados pelo SUS nos estados e municípios. No caso de São Paulo, por exemplo, os leitos de UTI de um hospital da Cruz Vermelha estão sendo alugados por R$ 2.200 ao dia, sendo que R$ 1.600 são bancados pelo Ministério da Saúde.