O uso de pseudônimos em exames de saúde de pessoas públicas é comum e não representa irregularidade em potencial, afirma a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial. A reportagem questionou a entidade, que reúne profissionais da área de laboratórios clínicos e dezenas de empresas do setor, após a divulgação na quarta-feira (13) dos exames para Covid-19 feitos pelo presidente Jair Bolsonaro, nos quais ele usou identificação fictícia.
Nas análises laboratoriais a que se submeteu para detectar se havia contraído o novo coronavírus, em março, Bolsonaro usou três nomes alternativos: “Airton Guedes”, “Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz” e “Paciente 05”. O número de identidade, CPF e data de nascimento eram os verdadeiros em dois desses documentos –em um deles, não havia os dados.
A AGU (Advocacia-Geral da União) tornou públicos os exames após o jornal O Estado de S. Paulo ir à Justiça para que o material fosse divulgado. Depois de decisões de instâncias inferiores a respeito, o caso chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal). Os exames, que Bolsonaro se recusava a exibir, tiveram resultado negativo.
Segundo a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, cada laboratório ou hospital tem suas regras para identificação de pacientes nos exames, mas o uso de pseudônimos é comum entre pessoas públicas, como políticos e artistas, para preservar a intimidade.
Há três anos, foto com nome e dados do prontuário médico da ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, que havia sofrido um AVC e estava internada em São Paulo, vazou e foi compartilhada em grupos de WhatsApp. Ela acabou morrendo dias depois.
A advogada especializada em direito médico Mérces da Silva Nunes, que é doutora pela PUC-SP, aponta um outro fator a favor da ocultação do nome verdadeiro em exames como os feitos por Bolsonaro. “Pessoas famosas já usam isso porque há uma possibilidade de haver um comprometimento do resultado em função de quem está fazendo o exame. Para evitar isso e ter certeza do resultado verdadeiro, muitos usam dados de terceiros”, diz.
No caso de Bolsonaro, afirma ela, “a chance era verdadeira”. “Alguém com o exame de um famoso em mão faz aquilo viralizar imediatamente.”
A especialista diz que não há nada no Código de Ética Médica que vede a atribuição de pseudônimos. Esse código regula a atividade no país, e infrações sujeitam o profissional à cassação do registro.
A Sociedade de Patologia Clínica, em conjunto com outras instituições, editou uma orientação no ano passado afirmando que laboratórios devem criar protocolos para que pessoas transexuais possam utilizar sem impedimentos seus nomes sociais (o de preferência do paciente) em seus cadastros para exames.
Para a advogada, o problema maior, no caso de Bolsonaro, foi o uso do nome de outra pessoa que aparentemente não tinha nenhuma relação com o procedimento nem autorizou essa iniciativa. Dependendo das circunstâncias, poderia ser entendido como falsidade ideológica.
Há um jovem de 16 anos em Brasília que se chama Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz. A família disse ao Painel que não sabe como o nome igual ao do rapaz foi parar no documento presidencial.
“Para usar o nome de alguém, ainda que seja autoridade ou pessoa pública, precisa do consentimento da outra pessoa. O impedimento maior é de ordem moral, ético, no sentido de usar a identidade de outra pessoa sem a concordância. Essa pessoa poderia, inclusive, responsabilizá-lo, pedir uma reparação por uso indevido”, diz a advogada.
A AGU informou ao STF que o governo adotou “medidas de segurança em relação aos exames, com o intuito de preservação da imagem e privacidade do presidente”.
Segundo essa manifestação, a decisão de usar os pseudônimos foi tomada consensualmente entre o Hospital das Forças Armadas, em Brasília, que é parceiro dos laboratórios, e a Presidência.
O laboratório Sabin diz que recebeu do hospital as amostras já identificadas.