“A Grande Família” é um título que poderia definir bem o primeiro episódio da nova série “Amor e Sorte”. Não pela confusão familiar que se desenrola diante das câmeras –até porque a produção tem elenco diminuto -, mas pela parentada que se aglutina por trás delas.
“Gilda e Lúcia”, nome do capítulo inicial da nova trama da Globo, estreia na emissora nesta terça-feira (8), trazendo no elenco uma dupla de mãe e filha –Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, colunista deste jornal. Marido de Torres, Andrucha Waddington assina a direção junto com seu filho, enteado dela.
Dois netos de Montenegro também trabalharam em diferentes áreas do set de filmagem improvisado, erguido em um anexo da casa da família na região serrana do Rio. O único agregado ali era João Faissal, diretor de fotografia e amigo convidado a passar a quarentena no local.
“Os melhores trabalhos que eu fiz na vida eu acho que foram com equipes pequenas, em grupo. A diferença agora é que estávamos em família e isso era muito emocionante. Eu falava ‘meu Deus, a gente produziu uma família de circo, capaz de fazer um filme sozinha'”, brinca Torres.
Além de atuar, ela ainda é corroteirista do episódio, ao lado de Chico Mattoso, Jorge Furtado e Antonio Prata, também colunista deste jornal. Os outros três episódios da minissérie trazem equipes, elencos e histórias diferentes – mas todos falam sobre situações causadas pela pandemia de Covid-19.
Neste capítulo inaugural, o público conhece uma executiva, papel de Torres, que viaja até o Rio de Janeiro para ter certeza de que sua mãe, vivida por Montenegro, está respeitando as restrições impostas pela pandemia. Como ela não consegue manter a matriarca em casa, a coloca dentro de um carro e parte para a serra fluminense, onde as duas precisam aprender a conviver com suas diferenças.
Já acostumada a trabalhar ao lado da filha e do genro, Fernanda Montenegro também se emocionou ao ver que estava rodeada por mais familiares que o habitual em “Amor e Sorte”. “Foi inesperado e muito aglutinador”, conta a atriz.
“Nós temos uma casa no meio do mato – uma casa confortavelzinha, nada de luxo, mas bastante acolhedora– e fomos para lá no pavor do vírus. Ficamos lá apavorados ainda, estranhando muito, mas no mês seguinte já começamos a olhar com mais generosidade para aquela natureza que nos cercava. E aí veio esse trabalho, mais uma vez me reunindo à Nanda e ao Andrucha.”
Agora de volta ao Rio, já que Waddington retornou aos estúdios da Globo para gravar “Sob Pressão”, as duas Fernandas olham para a casa na serra de outra maneira, com um carinho especial depois da experiência familiar proporcionada pelas filmagens.
Mas a boa convivência da trupe nos bastidores tem pouca relação com a trama do episódio que gravaram. Nele, as personagens-título Gilda e Lúcia vivem trocando farpas. A primeira é descrita por Montenegro como um “produto dos anos libertários de 1960, que envelheceu na caipirinha, no cigarrinho e na beira da praia”.
Já a outra, segundo Torres, é uma “tecnocrata, executiva, pró-mercado”. Os embates entre mãe e filha derivam, portanto, não apenas das diferentes formas de lidar com a pandemia, mas da própria visão de mundo de cada uma.
Pôr as duas figuras em confinamento no meio da natureza pode até parecer trama de uma tragicomédia, mas “Gilda e Lúcia” não é bem isso. “É uma trama terna”, diz Torres, “que não tem grandes explosões de emoção, brigas, ou comédia rasgada. É uma outra comédia, com toques de ternura, para tratar da relação de dois mundos tão distantes”.
Mundos distantes que certamente não refletem a relação entre mãe e filha da vida real. Montenegro frisa que tem muita afinidade tanto com Fernanda, quanto com Cláudio Torres, seu outro filho. Ela vê no trio “muito acordo na visão de mundo”. Reitera que não são idênticos, até pela diferença de idade, mas que têm uma proximidade que não ecoa a conflituosa relação de Gilda e Lúcia.
“Essa crise da série, é da série. Nós duas, por acaso, estamos inclusive na mesma zona de trabalho e de vocação, ao contrário das duas mulheres da história. Uma é pra cá e outra é pra lá. Mas sempre tem que ter crise, caso contrário não tem história que se aguente – nem as imaginadas, nem as de carne e osso. A crise faz parte da vida.”
Foi nesse convívio constante com a mãe, principalmente agora na quarentena, que Fernanda Torres notou uma dessas crises – não entre as duas, mas uma crise interna de Montenegro. E descobriu nela uma das temáticas centrais que gostaria de abordar no episódio que ajudou a escrever.
“Na feitura do roteiro, eu pensei muito em algo que eu via na mamãe, essa urgência dos seus 90 anos, a questão de sentir que não vai ter tempo para ver o mundo se consertar. Eu via essa ansiedade, ela fazer essa conta na cabeça de quanto tempo isso [a pandemia] vai demorar. Será que eu ainda vou ter energia quando o mundo se consertar para usufruir da vida? Isso é uma coisa muito dura para quem tem 90 anos e está ativo hoje”, diz ela.
Torres lembra de uma das cenas do episódio, em que Lúcia tenta tranquilizar sua mãe, que já não aguenta mais ficar trancafiada em casa. “A vacina vai sair”, diz ela. “Quando? Um ano, dois? Eu não tenho 15 minutos”, responde a matriarca.
“Amor e Sorte” tem mais três episódios, exibidos semanalmente. As próximas duplas de atores a protagonizá-los são Taís Araujo e Lázaro Ramos, Emílio Dantas e Fabíula Nascimento, e Caio Blat e Luisa Arraes, nesta ordem. Diferentemente de “Gilda e Lúcia”, todos eles falam de relações amorosas na quarentena e foram dirigidos remotamente.
AMOR E SORTE
Quando: Estreia nesta terça (8), às 22h45
Onde: Na Globo