Entidades emitem nota contra morte de psicóloga em Piracicaba (SP)

Diversas entidades se manifestaram sobre a morte da psicóloga Vanessa Augusto de Santa Bárbara, de 31 anos, ocorrida esta semana em Piracicaba (SP), após ter o corpo incendiado por uma vizinha. O velório e sepultamento dela foram no Rio de Janeiro (RJ).

Foto: Divulgação

Leia o documento na íntegra:

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A psicóloga Vanessa Augusto de Santa Bárbara, 31 anos, era carioca e morava em Piracicaba desde janeiro de 2018, juntamente a sua filha adolescente. Em Piracicaba Vanessa trabalhou no SEAME, com adolescentes em cumprimento de medidas sócio educativas durante 2018 e em 2019 trabalhou no Serviço Complementar Especializado da Assistência Social, com crianças e adolescentes vítimas de violência, tanto sexual quanto física. Atendia em clínica, principalmente, no protagonismo das mulheres pretas e da população preta. Estava finalizando uma especialização em Fenomenologia Existencial, sua área de paixão, pelo Instituto DAISEN da cidade de São Paulo. Seu trabalho de conclusão de graduação na Universidade Federal Fluminense foi sobre como se dava a construção da subjetividade da mulher preta num país estruturalmente racista e machista.
Negra, lésbica e militante, era extremamente ativa em movimentos sociais da cidade de Piracicaba, lutando contra a violência contra a mulher em frentes antirracistas por direitos sociais, por representatividade lésbica e pelo direito de crianças e adolescentes.
Atuou no Movimento de Promotoras Legais Populares do qual já fazia parte desde quando morava no Rio de Janeiro e no Coletivo Marias de Luta de Piracicaba, onde atuou por dois anos nas lutas antirracistas e antifascistas, pelo direito das mulheres. Integrou a construção do movimento negro Resistir Sempre. Tinha uma presença ativa no Conselho Municipal das Mulheres e atuou em frentes de luta por moradia. Idealizadora do núcleo de psicologia PertenSer.

Na madrugada de domingo, dia 15, foi vítima de um crime violento na região central desta cidade. Uma vizinha a atacou depois de uma discussão. Vanessa foi levada para a UPA da Vila Cristina com queimaduras no corpo e depois encaminhada para a Santa Casa de Misericórdia Piracicaba. No mesmo dia 15 foi encaminhada para o Hospital Geral da Vila Penteado, em São Paulo, decisão que precisa ser elucidada já que ela precisava de um atendimento para queimaduras. Ela chegou estável em São Paulo, com queimadura de 2º grau e estava comunicativa. Na manhã do dia 16 tivemos a notícia de que tinha ido a óbito.

Em todo esse percurso nos surgem algumas questões:
Como se deu seu pronto atendimento, primeiros socorros?
A ocorrência policial somente se deu após seu falecimento e cobrança de suas companheiras. Na noite do crime, mesmo a polícia tendo ido até o local, não foi gerado Boletim de Ocorrência. É preciso que a polícia e todos nós não relativizemos as famosas “brigas de vizinho”, uma vez que muitas dessas desavenças podem representar perigos reais à integridade física das pessoas podendo, inclusive, disfarçar/esconder crimes de ódio. Sabemos que, historicamente, a população preta é impedida de acessar com dignidade seus plenos direitos, assistência e segurança pública.
Exigimos respostas do porquê ela foi encaminhada para um hospital que, até onde sabemos, hoje é um hospital que é referência em COVID. Mesmo compreendendo o contexto pandêmico e todos os desafios que a rede de saúde enfrenta com o descaso dos nossos governantes, ainda exigimos respostas da rede de saúde da escolha tomada pelos profissionais, haja vista que, próximo a Piracicaba, mais precisamente em Limeira, existe um hospital referência em atendimento de pessoas com queimaduras e ela não foi encaminhada para esse local. Aliás, contamos com a colaboração da imprensa para nos ajudar a entender essas decisões.
A noiva da Vanessa teve algumas dificuldades para ter acesso a informações no hospital, com a justificativa de que apenas a família poderia obter as informações necessárias.

O caso da Vanessa nos ajuda a ter uma imagem de como o racismo e lesbofobia estruturais podem afetar, em todo o percurso, o atendimento pelo Estado Brasileiro, desde as não providências imediatas da polícia, até as escolhas da rede de saúde. Por isso, esperamos uma resposta efetiva para a morte de nossa companheira, tanto da atuação da polícia quanto da rede de saúde e agora de todo sistema de justiça. Vanessa Augusto de Santa Bárbara deixou uma filha, familiares, amigos e pacientes.

A nota foi assinada por:

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