Com o anúncio recente de que tanto o SBT quanto a TV Globo pretendem entrar no universo dos doramas — seja exibindo, seja produzindo séries no formato — uma dúvida inevitável paira sobre o público: o Brasil vai respeitar a essência dos doramas coreanos ou tropicalizar o formato ao ponto de descaracterizá-lo?
Essa inquietação é ainda mais válida quando se observa a trajetória recente da teledramaturgia brasileira, frequentemente centrada em temas como sexo, criminalidade, e o uso raso de pautas LGBTQIA+ — muitas vezes mais como bandeiras publicitárias do que com profundidade narrativa. Em outras palavras: será que os doramas brasileiros terão espaço para reflexão ou apenas repetirão fórmulas?
Dorama não é só romance: é filosofia de vida
Miguel Falabella, em entrevista à CNN Brasil, já deixou a pista para onde olhar. Ao questionar se as jornalistas sabiam o que é um dorama, ele explicou: “Até a vilã estuda. É tudo sobre educação.” Para o artista, os doramas coreanos são verdadeiras ferramentas de transformação social e ética. Diferente das novelas brasileiras, que muitas vezes apostam em escândalos como forma de garantir audiência, os doramas têm como essência o propósito de ensinar, provocar empatia e conduzir o público a reflexões morais e emocionais profundas.
Falabella ainda ressaltou que a Coreia do Sul, um país que se reconstruiu após guerras e pobreza, investiu pesadamente em educação — e os doramas são um reflexo disso. Eles mostram que o amor é possível, que há dilemas éticos na vida real e que cada escolha tem consequência. O resultado? Audiência fiel e exportação cultural de alto valor.
SBT: de “telebarraco” ao drama educativo?
O SBT, que já produziu tramas infantis com certo apelo emocional, também carrega em seu histórico programas com forte carga de sensacionalismo — da dramaturgia ao entretenimento. Resta saber se a emissora vai conseguir fazer a transição para o dorama sem reduzir o gênero a um novelão com atores jovens, romance escolar e a presença gratuita de “vilões” sexualizados.
Se a emissora entender que o dorama precisa de roteiro enxuto, personagens com conflitos reais e valores bem definidos, o projeto pode ser promissor. Caso contrário, será só mais uma série de visual asiático com enredo à la “Casos de Família”.
Globo: capaz de excelência, mas viciada em panfletarismo
A Globo, por sua vez, tem know-how para entregar produtos sofisticados — já o demonstrou com minisséries como O Canto da Sereia e novelas mais curtas como A Força do Querer. No entanto, sua dramaturgia recente vem sendo alvo de críticas por repetir pautas identitárias de forma panfletária, sem profundidade ou espaço para complexidade dos personagens.
A preocupação está em ver se o dorama brasileiro da Globo será uma versão mais enxuta de suas novelas recentes, recheada de discursos militantes, vilões carismáticos e redenções forçadas, ou se realmente terá foco narrativo e filosofia embutida como manda o manual do dorama asiático.
Sexo, crimes e diversidade: reflexo ou distorção?
Não há problema em abordar sexo, crimes e diversidade nos doramas brasileiros — desde que esses temas sejam usados como meio para refletir e não como ferramenta de choque ou audiência. Doramas coreanos, inclusive, não ignoram temas como abuso, corrupção, abandono, suicídio ou homossexualidade. Mas tudo é tratado com delicadeza e densidade, sem o apelo caricato que ainda domina boa parte da dramaturgia brasileira.
A expectativa é que Globo e SBT compreendam que o dorama não é uma novela curtinha com romance bonitinho. É, sobretudo, um espelho social. E esse espelho, quando bem lapidado, pode transformar culturas.