O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de sua Segunda Turma, proferiu uma decisão de grande impacto nesta sexta-feira, 19 de janeiro, ao anular uma parcela da investigação conduzida pela Polícia Federal (PF) contra o governador do Acre, Gladson Cameli. A medida decorreu do acolhimento de um recurso da defesa, que apontou irregularidades processuais substanciais no curso das apurações. Cameli, que já havia sido denunciado e figura como réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por crimes como corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitação, agora vê parte do arcabouço probatório contra si comprometido. Esta deliberação do STF adiciona uma camada de complexidade significativa a um caso já intrincado, que envolve o suposto desvio de milhões de reais e repercute diretamente na esfera política e judicial do estado e do país, levantando discussões sobre o devido processo legal em investigações de alta patente.
A Decisão do Supremo e os Fundamentos da Nulidade
Voto Prevalecente e a Questão da Competência e Provas Ilícitas
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em uma votação virtual que se encerrou hoje, formou maioria de 4 votos a 1 para acolher o recurso da defesa do governador Gladson Cameli. A base para a anulação de parte da investigação da Polícia Federal foi o reconhecimento de irregularidades procedimentais consideradas graves pelos ministros. A defesa argumentou que a apuração foi marcada por atos sem a devida autorização judicial, notadamente a requisição de relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem a chancela do Poder Judiciário. Este é um ponto crucial que a jurisprudência brasileira tem consolidado como violação do devido processo legal e da cadeia de custódia da prova.
O voto condutor, que prevaleceu no julgamento, foi proferido pelo ministro Kassio Nunes Marques. Ele destacou que as irregularidades ocorreram no estágio inicial das investigações, especificamente no período compreendido entre 25 de maio de 2020 e 12 de janeiro de 2021. Durante este intervalo, a Polícia Federal teria solicitado os relatórios financeiros do Coaf sem a prévia autorização judicial, o que, para o ministro, configurou uma usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O STJ é o foro constitucionalmente designado para julgar governadores. A decisão de Nunes Marques, portanto, declarou a nulidade das provas produzidas diretamente nesse período, bem como daquelas delas diretamente derivadas, seguindo a teoria dos “frutos da árvore envenenada” do direito processual penal, que impede o uso de provas obtidas por meios ilícitos.
O entendimento de Nunes Marques foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O ministro Edson Fachin, relator do caso, ficou vencido, votando contra o provimento do recurso da defesa do governador. Embora tenha acompanhado a maioria, o ministro Gilmar Mendes apresentou uma divergência pontual, votando pela retirada apenas do relatório de inteligência do Coaf do processo, sem anular uma parte mais abrangente da investigação. Essa nuance, contudo, não alterou o resultado final da maioria que reconheceu as irregularidades, sublinhando a importância da observância rigorosa das normas processuais, especialmente em investigações que envolvem autoridades com foro privilegiado.
As Acusações Contra o Governador e o Andamento no STJ
Detalhes das Alegações e o Impacto no Julgamento em Andamento
As acusações que pesam sobre o governador Gladson Cameli são de natureza grave e envolvem um suposto esquema complexo de desvio de recursos públicos. Ele tornou-se réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelos crimes de corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitação. O cerne das alegações investigadas pela Polícia Federal indica que o desvio de aproximadamente R$ 11 milhões teria ocorrido por meio de empresas que mantinham contratos com o governo estadual. Conforme as investigações, essas empresas teriam subcontratado outras firmas cujos sócios seriam familiares do governador, facilitando, assim, a movimentação e a lavagem dos valores ilícitos.
Em paralelo ao recurso que tramitava no Supremo Tribunal Federal, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça iniciou, na quarta-feira anterior à decisão do STF, o julgamento da ação penal contra o governador. Durante a sessão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, proferiu seu voto, posicionando-se pela condenação de Gladson Cameli a uma pena de 25 anos de prisão, além do pagamento de uma indenização de R$ 11 milhões. A ministra também determinou, em seu voto, a perda do cargo de governador, evidenciando a gravidade das acusações e a contundência de sua análise dos fatos e provas apresentadas.
Contudo, o andamento do julgamento no STJ foi suspenso após o ministro João Otávio de Noronha pedir vista do processo, um procedimento comum que permite aos magistrados mais tempo para analisar detalhadamente o caso antes de proferir seu voto. O pedido de vista e o subsequente recesso de fim de ano significam que o julgamento no STJ será retomado somente em 2026. Essa protração temporal, aliada à recente decisão do STF de anular parte das provas, adiciona uma camada considerável de incerteza e complexidade ao desfecho do processo. A nulidade de provas declarada pelo STF certamente terá um impacto direto no STJ, exigindo que o tribunal reavalie o conjunto probatório e determine quais elementos ainda são válidos para fundamentar uma possível condenação, podendo levar a uma reanálise de todo o processo.
Um Cenário Jurídico Complexo e as Implicações para a Transparência Pública
A decisão do Supremo Tribunal Federal de anular parte da investigação contra o governador Gladson Cameli configura um marco significativo em um cenário jurídico já complexo e de alta relevância pública. A invalidade de provas obtidas por meios considerados irregulares, como a ausência de autorização judicial para relatórios do Coaf, reafirma a importância do devido processo legal e das garantias individuais, mesmo em casos de combate à corrupção que envolvem altas autoridades. Essa intersecção entre o rigor processual e a busca pela responsabilização de agentes públicos é fundamental para a saúde democrática e a credibilidade do sistema judiciário. Para o governador Cameli, a medida representa um alívio parcial, uma vez que o arcabouço probatório contra ele é fragilizado, exigindo que o Superior Tribunal de Justiça reavalie o caso.
O prolongamento do julgamento no STJ até 2026, por sua vez, adiciona uma dimensão de incerteza e morosidade à conclusão do caso, um cenário que pode gerar frustração na sociedade que anseia por respostas e justiça. A decisão do STF, embora focada na legalidade processual, não exonera o governador das acusações de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitação, que continuam a ser apuradas. O desdobramento deste caso servirá como um termômetro para a atuação das instituições na garantia da transparência pública e na responsabilização de governantes, mas também na observância dos limites constitucionais das investigações. O Brasil observa atentamente como o Judiciário navegará por esses desafios, equilibrando a efetividade da justiça com o respeito irrestrito às normas legais.






