A Corrida de São Silvestre nasceu da visão inovadora do jornalista, empresário e advogado Cásper Líbero. Em 1924, durante uma viagem a Paris, ele assistiu a uma corrida noturna em que atletas percorriam as ruas com tochas nas mãos, criando um espetáculo que unia esporte e celebração. Impactado pela atmosfera do evento, Líbero decidiu levar a ideia para o Brasil, com o propósito de criar uma prova que marcasse o encerramento do ano nas ruas de São Paulo.
A proposta se concretizou em 31 de dezembro de 1925, quando foi realizada a primeira edição da corrida, batizada em homenagem a São Silvestre, santo celebrado naquele dia. A prova, inicialmente grafada como “São Sylvestre”, rapidamente se consolidou no calendário esportivo nacional. Para Eric Castelheiro, diretor-executivo da Corrida Internacional de São Silvestre, aquele momento foi decisivo. Segundo ele, a iniciativa de Cásper Líbero deu origem a um evento que atravessaria gerações e chegaria ao século de existência como uma das corridas mais emblemáticas do mundo.
A edição inaugural contou com 60 inscritos, dos quais 48 largaram às 23h40 no Parque Trianon, na Avenida Paulista. O percurso de 8.800 metros teve como vencedor Alfredo Gomes, que completou a prova em 23 minutos e 19 segundos. Mais do que uma conquista esportiva, a vitória teve forte significado social. Alfredo Gomes, atleta negro, havia representado o Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris em 1924, tornando-se o primeiro negro a defender o país em uma Olimpíada. Seu triunfo na primeira São Silvestre reforçou seu papel como pioneiro e símbolo de superação.
Nos primeiros anos, a corrida teve caráter estritamente nacional, com participação exclusiva de atletas brasileiros. A partir de 1927, estrangeiros residentes no país passaram a ser admitidos, permitindo que o italiano Heitor Blasi, radicado em São Paulo, se tornasse o único não brasileiro a vencer durante essa fase, com títulos em 1927 e 1929. Esse período, conhecido como fase nacional, se estendeu até 1944 e ajudou a consolidar a São Silvestre como a prova de rua mais tradicional do Brasil.
O fim da Segunda Guerra Mundial marcou uma nova etapa na história da corrida. Em 1945, a São Silvestre iniciou seu processo de internacionalização, inicialmente com atletas sul-americanos e, dois anos depois, com competidores de todo o mundo. A abertura elevou o nível técnico da prova e deu início a um longo período sem vitórias brasileiras, que durou 34 anos.
O jejum foi encerrado em 1980, quando o pernambucano José João da Silva venceu a prova e provocou uma comoção nacional. De origem humilde, ele relembra a emoção daquele momento como uma virada em sua vida e na história da corrida. Para Eric Castelheiro, vitórias como essa transformam atletas em ídolos populares, justamente por competirem lado a lado com o público nas ruas da cidade.
A participação feminina foi incorporada em 1975, ampliando o caráter inclusivo do evento. A alemã Christa Valensieck foi a primeira vencedora entre as mulheres, abrindo caminho para novas gerações de corredoras. Entre as brasileiras, nomes como Maria Zeferina Baldaia e Marilson Gomes dos Santos se tornaram referências. Marilson é o atleta nacional com mais títulos na era internacional, com vitórias em 2003, 2005 e 2010. Já Maria Zeferina, campeã em 2001, construiu uma trajetória marcada pela superação, após anos de trabalho rural e treinos realizados, por muito tempo, sem sequer usar tênis.
Hoje, a Corrida de São Silvestre é reconhecida por seu caráter democrático. A prova conta com largadas separadas para atletas da elite feminina e masculina, além de categorias para cadeirantes, pessoas com deficiência e corredores amadores. Também existe a São Silvestrinha, voltada para crianças e adolescentes, realizada em data distinta no Centro Olímpico do Ibirapuera. Segundo a organização, a estrutura em ondas permite que atletas de diferentes níveis técnicos participem com segurança, seja para competir, seja para alcançar objetivos pessoais.
Ao completar 100 edições, a São Silvestre reafirma seu papel como patrimônio esportivo e cultural do Brasil. O evento transformou-se em um ritual de fim de ano, reunindo milhares de pessoas nas ruas de São Paulo para celebrar o esporte, a superação e a convivência urbana. Mais do que uma corrida, a São Silvestre é um elo entre passado e presente, capaz de conectar histórias individuais à memória coletiva da cidade e do país.






