A companhia aérea portuguesa TAP foi condenada a pagar uma indenização de R$ 20 mil a uma passageira brasileira de 30 anos, após um grave incidente ocorrido em um quarto de hotel disponibilizado pela empresa. O caso envolve uma alegada tentativa de estupro que a mulher teria sofrido enquanto estava acomodada em Paris, no dia 31 de maio de 2024, em decorrência do cancelamento de um voo. A decisão judicial, que ainda cabe recurso, aponta para uma falha crítica na prestação de serviço da companhia aérea, que teria alocado a passageira em um ambiente inseguro. A Justiça considerou que a TAP não cumpriu seu dever de assistência material adequada, expondo a vítima a riscos inaceitáveis. O valor, embora considerado pela defesa como compatível, não repararia integralmente o sofrimento vivenciado, conforme a advogada da brasileira. A TAP, por sua vez, mantém a postura de não comentar decisões judiciais, conforme sua prática estabelecida em relação a processos jurídicos.
Detalhes do Incidente e a Inadequada Acomodação de Passageiros
Cancelamento de Voo e a Oferta de Hospedagem Controvertida
O incidente que levou à condenação da TAP teve início com o cancelamento do voo TP439, que partia de Paris com destino a Lisboa. A aeronave, com passageiros já a bordo, teve sua decolagem abortada, e a comunicação oficial do cancelamento só foi feita à 1h da manhã. Os passageiros foram, então, realocados para um voo no dia seguinte, programado para as 10h20. Diante da necessidade de pernoite, a companhia aérea ofereceu acomodação em um hotel, alegando, segundo o relato da passageira, a inexistência de quartos individuais para todos. A brasileira, diante da informação de que a única opção seria um quarto triplo e dos altos custos de uma hospedagem de última hora por conta própria, aceitou a proposta da TAP, mesmo após insistir por uma solução individual. Esta decisão, tomada sob pressão e em um contexto de desassistência, revelou-se um ponto crucial para os eventos subsequentes.
A passageira recebeu um voucher que a direcionava para um quarto de hotel a ser dividido com outros dois indivíduos: um homem, que se identificou como brasileiro, e uma mulher, de nacionalidade alemã. No arranjo do quarto, as duas mulheres compartilharam uma cama de casal, enquanto o homem ocupava uma cama extra. A situação, por si só, já gerava preocupações quanto à privacidade e segurança. A Justiça, ao analisar o caso, considerou a decisão da companhia de forçar passageiros desconhecidos a dividir um quarto, especialmente com um homem, como “absurda e intolerável”. Este cenário, desprovido de qualquer protocolo de segurança, falhou em resguardar a integridade da passageira. A TAP, enquanto provedora de serviço de transporte aéreo, tinha o dever de assegurar a segurança e o bem-estar de seus clientes em situações de interrupção de viagem, um princípio fundamental nos direitos do consumidor aéreo e na responsabilidade das companhias aéreas.
A Tentativa de Ataque e a Falta de Suporte Pós-Incidente
Agressão em Ambiente de Insegurança e a Reação da Vítima
A sequência dos fatos, conforme o depoimento da brasileira, agravou dramaticamente a situação. Durante a madrugada, a mulher alemã que dividia o quarto decidiu retornar ao aeroporto, alegando não conseguir dormir. Ela posteriormente explicou à brasileira que não imaginou que o outro passageiro pudesse representar uma ameaça, o que, infelizmente, ocorreu pouco depois. A brasileira relatou ter acordado com o homem, completamente nu, sobre ela, tentando beijá-la. Em um ato de desespero e autodefesa, a passageira gritou, conseguindo afastar o agressor, que imediatamente deixou o quarto. Esse momento de terror, vivido em um ambiente que deveria ser seguro e acolhedor, é o cerne da condenação por dano moral imposta à TAP. Este episódio ressalta a importância da segurança em viagens e a necessidade de as empresas garantirem acomodações seguras.
Após o grave incidente, a passageira conseguiu remarcar seu voo para Lisboa e não teve mais contato com o agressor. Contudo, a ausência de suporte da companhia aérea após o ocorrido foi severamente criticada. A brasileira buscou auxílio da TAP, mas, segundo seu relato em setembro, “nunca houve retorno, apoio ou qualquer ação para identificar o abusador”. Essa omissão reforçou a percepção de falha na prestação de serviço, uma vez que o dever de assistência da companhia não se encerrava na oferta de um simples quarto, mas se estendia à garantia de um ambiente seguro e ao apoio pós-trauma. A falta de registro policial do incidente pela vítima, embora compreensível dado o choque e a imediata necessidade de deixar o local, não diminuiu a responsabilidade civil da TAP, conforme entendimento judicial. A companhia aérea, ao não oferecer suporte adequado, demonstrou uma lacuna grave em seu compromisso com os passageiros.
A Decisão Judicial e o Dever da Companhia Aérea
Fundamentação da Sentença e Contradição nas Normas da TAP
A Justiça foi clara ao apontar que a TAP “não cumpriu seu dever de prestar assistência material adequada e segura à autora”, configurando uma “ilícita falha na prestação de seu serviço”. A sentença sublinhou que a decisão da companhia de acomodar a passageira em um quarto com dois desconhecidos, sendo um deles homem, gerou uma “situação que por si só já se mostra absurda e intolerável”. O dano moral foi, portanto, considerado evidentemente configurado, com a violação de direitos fundamentais da passageira, como segurança, honra, dignidade psicológica e sexual, intimidade e privacidade. A corte enfatizou que a responsabilidade da TAP decorre de sua conduta – o descumprimento do dever de assistência material – que “propiciou um ambiente que expunha a autora ao risco de ser vítima de situações indevidas”, independentemente da natureza criminal do ato do agressor.
Um ponto crucial da decisão judicial foi a utilização de um comunicado da própria TAP à imprensa. Em setembro, a companhia havia afirmado publicamente que suas normas “não preveem a alocação de passageiros desconhecidos em um mesmo quarto, salvo nos casos em que estejam sob a mesma reserva, viajando juntos ou tenham expressamente manifestado interesse e disponibilidade para tal arranjo”. A Justiça interpretou essa declaração como uma prova de que a TAP agiu em desacordo com suas próprias diretrizes internas, intensificando a gravidade da falha. Esta contradição demonstra uma negligência flagrante na gestão da crise e na proteção dos passageiros, minando a credibilidade da companhia. A condenação serve como um lembrete robusto de que as políticas internas devem ser seguidas rigorosamente, especialmente quando a segurança e os direitos dos passageiros estão em jogo, garantindo assim a integridade da experiência de viagem e a confiança no serviço de transporte aéreo.
Implicações da Sentença e o Compromisso com a Segurança Aérea
A condenação da TAP por negligência na acomodação de passageiros em uma situação de cancelamento de voo representa um marco significativo para os direitos do consumidor e para a indústria da aviação. A decisão judicial reafirma que as companhias aéreas possuem um dever de assistência que transcende a mera realocação em um voo subsequente. Esse dever abrange a garantia de um ambiente seguro e digno para seus clientes, especialmente em circunstâncias de vulnerabilidade, como o pernoite forçado em uma cidade estrangeira. A falha em prover um quarto individual, quando a segurança de uma passageira estava em risco evidente ao ser colocada com desconhecidos, demonstra uma grave omissão que a Justiça não hesitou em penalizar, sublinhando a importância da segurança em viagens e o dever de cuidado das companhias aéreas.
Este julgamento serve como um alerta crucial para todas as companhias aéreas, enfatizando a importância de protocolos de segurança rigorosos e de uma gestão de crise eficaz. A alocação de passageiros em hotéis, por exemplo, deve seguir padrões que priorizem a individualidade e a segurança, evitando situações que possam expor os viajantes a perigos desnecessários. Além da indenização por dano moral, a repercussão deste caso eleva o debate sobre a responsabilidade social das empresas e a necessidade de que estas assumam um papel proativo na proteção de seus clientes. A TAP, ao ser condenada, recebe a mensagem de que a segurança e a dignidade dos passageiros são inegociáveis, e que a omissão ou a violação de suas próprias políticas podem resultar em consequências legais e de reputação significativas, impactando a confiança dos consumidores na indústria aérea global. O precedente estabelecido por esta decisão reforça a busca por justiça para as vítimas e a exigência de maior rigor nas operações das companhias aéreas em todo o mundo, visando aprimorar a acomodação de passageiros e os direitos do consumidor aéreo.
Fonte: https://g1.globo.com






