Neste domingo, 12 de maio, além de Dia das Mães, comemora-se também o Dia da Policial Feminina. E para não deixar a data passar em branco, o Jornal PIRANOT traz até você uma entrevista com a Tenente Luciana. Com 38 anos de idade, sendo 19 de carreira, Luciana Batista Telesca é uma mulher de fibra, Tenente da Polícia Militar de Piracicaba (SP). Nesta entrevista concedida ao jornalista Rafael Fioravanti, a Tenente fala sobre o seu trabalho, início de carreira, e claro, manda um recado a todas as mães.
Como teve início a sua carreira militar?
Iniciei minha carreira militar como soldado no ano de 2000, aos 18 anos, em São Paulo. Já era um sonho ser policial militar, embora eu não tenha externado esse sonho a ninguém da minha família. Eles ficaram sabendo quando passei do concurso. Foi aí que todo mundo acreditou que eu realmente queria ser policial militar. Já era um sonho de adolescente porque foi uma profissão que sempre admirei. Minha família é do interior de Araçatuba, interior do Estado, de uma cidade pequena de três mil habitantes. Inclusive fui a primeira policial feminina da cidade, o que acabou sendo um orgulho para a família e para a cidade. Fui em 2000 para São Paulo, fiz o curso de soldados e fiquei lá por 11 anos. Nesse período, procurei crescer dentro da carreira; fui soldado, cabo e entrei na Escola de Sargentos em 2010. Ao término do curso, decidi sair de São Paulo e vir para uma vida mais tranquila. Como tive a oportunidade de vir para Piracicaba, cidade que já conhecia e que ainda acho maravilhosa, me mudei para cá a fim de atuar como sargento. Trabalhei aqui em Piracicaba de 2010 a 2013, quando percebi que ainda faltava alguma coisa na minha vida, que era ser oficial da PM. Voltei para São Paulo e estudei na Academia do Barro Branco. Quando acabou a Academia em 2016, fiz a aspirantada em Araçatuba (na região da minha família) e como não tinha mais vagas por lá, tive que escolher outra cidade para trabalhar como oficial. Graças a Deus tive o privilégio de poder voltar para Piracicaba. Hoje eu falo que sou piracicabana. Piracicaba é uma cidade que me acolheu em todos os sentidos, fiz vários amigos por aqui e estou muito feliz exercendo a minha função de oficial dentro da instituição e numa cidade que amo.
Nesses anos todos como policial, qual ocorrência mais te marcou?
São várias ocorrências onde atuei e trabalhei, mas as que mais chamam a atenção são aquelas que envolvem crianças ou pessoas com maior grau de fragilidade. Esse tipo de ocorrência mexe muito conosco até no sentido emocional. Embora sejamos oficiais de polícia, lidamos com várias coisas. Um dia estava chovendo muito forte em Americana e um ônibus acabou se perdendo, caindo dentro de um bueiro e tombando. Eu estava trabalhando neste dia, e, entre os passageiros, havia uma moça grávida. Como chegamos antes de todo mundo, inclusive do Corpo de Bombeiros, tivemos que nos mobilizar para tirar essas pessoas de dentro do ônibus. E naquela ocasião nós não pensamos duas vezes. Não pensamos se tínhamos equipamentos adequados ou como faríamos aquilo. Eu e minha equipe fomos nos ajudando e conseguimos salvar todos sem um arranhão. Esse tipo de ocorrência nos emociona e nos motiva a acreditar que trabalhar nessa profissão vale a pena. Uma missão que Deus nos confiou. Sempre vi a Polícia Militar como uma forma de ajudar as pessoas.
E aqui em Piracicaba? Alguma ocorrência em especial?
Participei de uma ocorrência de tentativa de suicídio no Jupiá. Tinha uma jovem de 16 anos que queria se jogar do 5º andar de um prédio. A equipe do Corpo de Bombeiros já estava lá há horas e nada. Essa ocorrência em especial foi muito difícil, até porque as equipes que estavam lá não conseguiam estabelecer um rapport com a jovem. A vítima simplesmente não respondia nada que eles perguntavam. Nesses casos, precisamos ganhar a confiança da vítima para que ela possa nos ouvir e atender o que estamos falando. As equipes ficaram lá há mais de duas horas sem sucesso nenhum. Quando ouvi essa ocorrência no rádio, já era final de tarde e quase hora de encerrar o serviço. Mesmo assim acabei indo até lá. Fomos até o local e a vimos sentada na janela, com todas as equipes olhando. Um policial veio até mim e disse que haviam tentado de tudo e que ela não dava nenhum retorno. Então decidi ir lá e tentar falar com ela. Subi até o apartamento e fui no quarto ao lado, cuja janela pareava com a janela do quarto onde ela estava. Como ela estava num quadro depressivo muito grande, ela só chorava. Começamos a conversar a fim de eu tentar ganhar a confiança dela, contei coisas da minha vida, disse que também já havia sido uma adolescente e que também já havia tido crises emocionais. Em determinado momento, descobri que ela gostava muito da avó. Pedi para a mãe da vítima ligar para a avó, peguei o celular e conversei por telefone com a senhora do outro lado da linha. Expliquei toda a situação, e acabei voltando à janela para conversar com a vítima. Expliquei à vítima que estava no telefone com a avó dela e disse também à vítima que a avó ficaria muito feliz de conversar com ela. Usei essa estratégia para chamar a atenção da vítima e fazê-la desistir de se jogar da janela. Graças a Deus deu certo. Disse à vítima para abrir a porta do quarto onde ela estava e conversar um pouco com a avó. Voltei para o apartamento e consegui ouvi-la saindo da janela e abrindo a porta. Ela nem chegou a atender o telefone, assim que ela abriu a porta já veio correndo me abraçar. Ela chorou muito. Ficamos uns 15 minutos assim.
Em casos como esses, os policiais recebem algum tipo de apoio psicológico?
Nós temos uma equipe em São Paulo, que é um núcleo de apoio psicossocial, onde há uma equipe de profissionais que trabalha com profissionais. Então sempre que nos deparamos com ocorrências que abalam muito o emocional, como é o caso dessa que acabei de citar, podemos contar com esse núcleo. Além de policial, eu também sou mãe e embora meu filho tenha 13 anos de idade, eu ainda falo que ele é o meu bebê. Todas as vezes que me deparo com uma ocorrência dessa e consigo fazer a diferença, passo a ter certeza de que estou no lugar certo. Deus sempre me leva a situações onde posso ajudar. Eu exerço uma profissão que gosto e que faz a diferença na vida das pessoas. Isso eu tenho feito desde os meus 18 anos de idade.
Na sua opinião, qual o principal problema que Piracicaba enfrenta atualmente?
Nós temos o privilégio de estarmos numa cidade bonita e com pessoas bem civilizadas. Como eu já trabalhei em São Paulo, uso a capital como referencial para as coisas. A capital é diferente do interior. Piracicaba já esteve na lista dos municípios interioranos com maior segurança e, somado a isso, nossos índices criminais estão diminuindo cada vez mais por conta de um trabalho conjunto. Trata-se de um trabalho que envolve a Polícia Militar, Guarda Civil, Polícia Civil, etc. Fazemos operações conjuntas a fim de minimizar a quantidade de crimes. Em 2018, tivemos uma melhora muito significativa na ocorrência de furto e roubo de veículos. Quando notamos aumento em algum tipo de crime, fazemos logo um policiamento voltado a ele. De forma geral, Piracicaba é uma cidade tranquila para se viver.
A Polícia Militar possui também um sistema de SMS voltado a pessoas com deficiência. Me conte um pouco mais sobre isso.
Esse projeto está implantado na PM desde 2012. Foi elaborado um sistema para que pessoas com deficiência auditiva ou de fala (PCD) tenham a possibilidade de chamar a polícia via SMS — seja se acontecer algo com ele ou se ele precisar de ajuda. Então a PM está cada vez mais tentando prestar um serviço de qualidade, inclusive com foco na inclusão social. Verificamos que essa comunidade é muito grande e sequer percebemos. Depois que começamos a divulgar esse serviço, percebemos quantas e quantas pessoas estão vindo até o quartel para fazer o cadastro.
Como funciona esse sistema voltado às PCD’s?
Eles vão até o batalhão << sito na Rua Américo Vespúcio nº 438, Algodoal >> e fazem um cadastro com nossa equipe. A partir do momento que esse cadastro é feito, eles já podem começar a mandar SMS se precisarem de ajuda, seja pelo telefone 190 ou 193. O cadastro é feito conosco aqui no Batalhão (ou no quartel) por uma simples razão: para que possamos ter um controle melhor das pessoas que estão cadastradas, não onerando o sistema 190. Na semana passada (do dia 29 de abril a 03 de maio), fizemos o cadastro de 18 pessoas em uma só tarde.
Qual o maior conselho que a senhora pode passar a um(a) jovem que deseja seguir carreira na PM?
Fazer o que a gente ama já faz uma grande diferença. Quando trabalhamos com amor, tudo flui. Quando eu escolhi, fui agraciada, porque escolhi seguir uma profissão que já estava no meu coração. Não tive dúvidas. E a partir do momento que ingressei na PM, analisando melhor o grande leque de opções que existe dentro da instituição (Rocam, bicicleta, Força Tática, Rota, COE, Ambiental, Rodoviária, Ronda Escolar), você acaba percebendo que consegue fazer o que quiser. Às vezes o jovem acha que vai entrar na polícia e simplesmente sair trocando tiro com bandido, não é assim. Eu incentivo todos os jovens a prestarem o concurso e a conhecerem. O jovem certamente vai acabar se encontrando aqui dentro da instituição, visto que aqui há serviço para todo mundo. Muitos jovens já entram aqui na instituição com Ensino Superior, então eles podem usar aqui dentro da instituição os conhecimentos que eles ganharam fora. Aqui temos jornalistas, psicólogos, assistentes sociais, enfim, pessoas que agregam. Aqui o jovem não vai perder nada do que aprendeu lá fora, aqui todo conhecimento é utilizado. Aqui dentro da instituição, o jovem passa por várias conquistas, inclusive essa de poder ajudar o próximo. Isso não tem preço.
Este domingo é Dia da Policial Feminina, e, principalmente, Dia das Mães. A senhora gostaria de mandar um recado?
Sou mãe, dona de casa e policial militar com muito orgulho. Sem querer desmerecer os homens, mas a mulher possui uma capacidade de conciliar diversas coisas ao mesmo tempo. Muitas vezes a gente acha que não vai dar conta, porque há filho, casa, profissão, porém sempre conseguimos fazer de tudo um pouco. Dentro da polícia, nós, mulheres, somos um pouco mais de 13% do efetivo. E cada vez mais a mulher cresce dentro de todos os segmentos da instituição. A gente dá uma cara diferente ao serviço. E neste dia 12 de maio, além de Dia das Mães, o policiamento feminino no Estado de São Paulo completa 64 anos. É um imenso prazer comemorar ambas as datas no mesmo dia. A mulher é emocional, então acaba sempre olhando as ocorrências com outros olhos; já o homem, por ser mais racional, não consegue perceber determinadas coisas. Isso completa o serviço. Homens e mulheres devem trabalhar juntos para que haja o equilíbrio. Estou muito feliz nesse Dia das Mães. Meu filho tem muito orgulho de mim e acho isso maravilhoso. Como mãe e mulher na vida dele, eu vejo que cumpri o meu papel. Eu mando um grande abraço a todas as mães, que tudo seja muito completo na vida de todas. Ser mãe é uma dádiva maravilhosa que Deus nos deu.