RECEITA DE CONFIANÇA (LEDA COLETTI)
Rosália era a empregada de D. Maria Helena, outra querida mãezona da cidade de Araraquara. Ela e o marido moravam no apartamento do quintal. Este último não cheguei a conhecer, pois falecera anos antes. Rosalina continuou morando aí e trabalhando como empregada doméstica. Era analfabeta, mas muito viva. Com algumas explicações aprendeu as receitas culinárias mais triviais, com as quais nos brindava no dia a dia. Eu particularmente apreciava muito o lombo assado e a berinjela recheada.
Uma vez por semana Rosália costumava ir ao salão de beleza do bairro. Chegando numa tarde desse local, ao cumprimentar as amigas de D.Maria Helena, que a estavam visitando, foi logo falando de um tal “cozido”, que segundo ela deveria ser uma delícia. Indagada se experimentara do prato, disse que a dona do salão de beleza só lhe ensinou como fazia, mas garantira que todos iriam gostar muito. Dizia que ia um pouco de tudo.
_ Mas como é um pouco de tudo? Perguntou D.Maria Helena.
_ A moça disse que vai costela de boi, milho verde, abóbora, chuchu, linguiça de porco, repolho, mandioca e tudo mais que eu quiser colocar.
Apesar de não depositar muita fé nessa receita trazida de fora, D.Maria Helena comprou todos os ingredientes citados por Rosalina, na sua compra semanal.
Era uma 3ª feira, quando todas as amigas, inclusive eu, chegamos para almoçar o famoso “cozido”. D.Maria Helena foi dar uma espiada, ainda na panela, antes que fosse retirado do fogo. Ficou desagradavelmente surpresa, pois parecia uma sopa grossa de feia aparência. Experimentando um bocado, viu que todos os legumes estavam dissolvidos e misturados. As carnes das costelas haviam se desprendido e estavam desfiadas.
_ Então é essa receita horrorosa que você aprendeu a fazer? Perguntou brava.
E Rosália que tinha resposta para tudo e não dava “o braço a torcer”, justificou-se:
_ Eu não tenho culpa se a moça que ensinou é cabeleireira e não cozinheira.
Imediatamente D. Maria Helena ordenou-lhe que fosse até o supermercado e comprasse um frango assado. Nunca mais Rosalina falou do tal cozido, que ficou só na lembrança.
ROSAS PARA UMA JOVEM SENHORA (LEDA COLETTI)
Sempre foi rainha,
Fada-madrinha.
É assim que a sinto
Desde que a conheci.
Rosa rainha
De muitos jardins:
Vermelha, vinho, carmim.
Nos momentos de vibração,
Amarela, branca, só coração!
Em dias nebulosos
Seus espinhos zelosos
A protegem defendem…
Não se verga ao vento,
Forte na alegria e tormento.
Humana em qualquer ação,
A todos estende a mão.
Deus sempre haverá de lhe prover
O bem semeado e a oferecer,
Algumas vezes sem nada colher.
À jovem senhora, autêntica em ser
Deixando em segundo plano o ter,
Por tudo, quero lhe agradecer.
À Maria Helena: rainha-rosa
Com existência tão dadivosa,
O meu sincero bem querer!
SABER OUVIR (LEDA COLETTI)
Uma das provas de verdadeiro saber é sem dúvida saber ouvir.
Somos artistas no falar, mas na hora em que alguém compete conosco não gostamos. Parece que o que queremos dizer é mais importante, do que o outro tem para nos contar.
Há pessoas tão egocêntricas que enquanto o outro fala, interrompe-o muitas vezes, para contar fatos que julgam semelhantes, ou então mais interessantes.
É desolador quando uma pessoa se sente angustiada, deprimida, e espera ter no outro a âncora a lhe indicar a direção correta, e esta não lhe dá atenção. Sente-se sozinho, mas esperançoso que alguém compartilhe seus anseios e dificuldades. Não entro no mérito de julgar o que é melhor: ouvir ou falar. Mas pondero que é muito mais fácil este último, pois os seres humanos sentem necessidade de extravasar seus problemas, preocupações e desejos.
Já é antiga a frase: “Nenhum homem é uma ilha”. É muito verdadeira e graças a isso podemos nos comunicar de diferentes modos com os outros. Pela experiência própria, concluímos ser a palavra o mais importante meio para a comunicação.
Você já se sentiu em lugar estranho com língua e costumes diferentes? Eu já, e percebi o quanto é bom nos fazer entender, e sentir que alguém se interesse em nos ouvir. Mesmo que seja comercialmente falando. Nesse particular vivi três situações pitorescas. Uma, na França, cuja língua dominava relativamente.Desse modo consegui me fazer entender tanto na rua, como no banco ao trocar dinheiro. Já na Itália, mesmo usando a mímica, não tive sucesso completo. Venderam-me remédio para a dor nas costas, mas não era a pomada que eu desejara. Já na Inglaterra fui a uma loja e indagando sobre preço de roupas, a balconista não se empenhou em me entender e fiquei falando sozinha.
É por isso que sou adepta da linguagem dos sinais. Talvez pudesse funcionar como a língua emergencial dos povos. Os códigos deveriam ser universais para que todos se entendessem, nessas ocasiões.
Mas será que resolveria o problema do “saber ouvir?” Este realmente só será realidade, se soubermos ouvir com o coração!
NAS ESQUINAS DA VIDA (LEDA COLETTI)
Cláudia batia um papo com a nova vizinha. Estavam jogando conversa fora, quando foram interrompidas por um avião teco-teco, que passou baixinho pelo local. Surpresa ao ver o piloto acenando com a mão, não se conteve e emocionada disse em voz alta:
_ Quanta recordação esse gesto do piloto me traz.
D. Olga muito interessada quis saber do que se tratava. Ela como que num desabafo, passou a contar-lhe:
– Cursava o normal. Muito aplicada costumava estudar no quintal de minha casa. Às vezes tinha como parceira outra colega, que morava nas proximidades. Líamos o texto em voz alta e depois uma repetia para a outra o mesmo, quando não o fazíamos em forma de pergunta e resposta. Era difícil o dia em que não matávamos o tempo, conversando sobre outros assuntos que não os de escola.
Nesses momentos, sempre um avião teco-teco exibia vôos rasantes e, muitas vezes o aviador acenava para nós. Isso era motivo suficiente para desviar nossa atenção dos livros e cadernos. Assim mesmo éramos boas alunas.
Realmente, aquele rapaz sabia dos nossos horários de estudo, fazendo-os coincidir com o seu de brevê, pois era interessado em minha colega de estudo, a Aninha. Anos depois ela e Rafael, ( este era o seu nome) se casaram. A correria da vida separou-nos. Fiquei muito tempo sem ter noticias deles, pois fui lecionar em outras cidades.
D.Olga quis saber mais sobre as cidades em que trabalhou e foi perguntando:
_Você ficou muito tempo distante dessa cidade?
–Sim. Passados mais de vinte anos de separação, eis que nos encontramos novamente nessa nossa cidade-natal. A amizade se recompôs. Por coincidência, nós três atuávamos como professores.
Soube por Aninha que o casal estava em crise. Por suas atitudes percebi seu estado emocional abalado. E foi por conta desta forte depressão que ela veio a falecer, dando cabo de sua vida. Deixou uma filha adolescente.
–Que final triste!
Cláudia prosseguiu em suas lembranças:
–Não demorou muito e, Rafael estava casado com uma colega viúva, que por coincidência tinha um filho, também jovem. Por ciúmes dos filhos, o casal vivia em atritos. Talvez, seja por essa razão, que sua nova companheira teve uma parada cardíaca e morreu.
–Meu Deus, que tragédia! D. Olga estava assustada com esta história de final infeliz.
–Ainda não acabei de contar outra parte da mesma. Agora é que me torno personagem importante nesse drama!
–Pois então vamos a ela. Não agüento de curiosidade, disse D.Olga
–Imagine você, que há uns seis meses ele me procurou. Convidou-me para irmos a um restaurante e nesse primeiro reencontro me propôs casamento.
–E você não topou?
–Não. Talvez se fosse nos áureos tempos da mocidade, eu o tivesse aceitado, pois até cheguei a suspirar e a sonhar com aquele aviador, que passava fazendo acrobacias no quintal de minha casa e nos acenava. Mas ele se interessou pela Aninha e não por mim. Percebi que na época atual não sentia nada por ele a não ser piedade, principalmente depois de saber que se tornara um dependente de bebida.
–E agora, como está ele?
–Pois é, estava. Preciso usar o verbo no passado, pois há questão de vinte dias ao folhear o jornal do dia, li a notícia do seu falecimento. Deu tempo de ir ao velório. Enquanto velava seu corpo, ouvi alguns diálogos entre os conhecidos:
–Coitado! Morreu tão jovem!
–E de cirrose! Completou a senhora sentada ao lado.
–E pensar que isso aconteceu porque não sabia conviver com a solidão!
–Se tivesse tido uma nova parceira, nada disso teria acontecido! Assim se expressou um senhor.
D.Olga não deixou de perguntar:
–Mas você não sentia nem mesmo um “tiquinho” de amor por ele?
Claúdia como que ignorando a presença de D. Olga, limitou-se a dizer pensativa:
– Como teria sido a minha vida, se Rafael nos seus vôos aéreos dos anos dourados tivesse acenado para mim?
TROVAS COM TEMAS DE BEM VIVER (LEDA COLETTI)
CARIDADE
O homem bom, generoso
Tem por lema a caridade,
Sempre pronto, atencioso
Deixa rastros de humildade.
ENTENDIMENTO
Com o dom do entendimento
O bem do mal eu separo,
Evito causar tormento
E do irmão me torno amparo.
SABEDORIA
Homem com sabedoria
Prioriza mais o ser,
Vê em tudo harmonia
Não releva só o ter.
FÉ
A fé, mola propulsora
Da travessia terrena,
Dá força em difícil hora
Torna a vida mais amena
PRUDÊNCIA
Se na rotina do dia
Prevalecer a prudência,
Haverá só calmaria,
Nesta terrena existência.