As medidas que vêm sendo estudadas pela Sedema (Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente) para reduzir os transtornos da sujeira causada pelas aves que povoam a praça José Bonifácio, no Centro, podem ter efeito contrário, de acordo com um especialista ouvido pelo vereador Paulo Camolesi (PV).
Em matéria veiculada recentemente no site da Câmara, o secretário Rogério Vidal disse que, após já ter sido feito “de tudo para tentar sanar essa situação”, “a solução será reduzir o número de árvores e começar a multar quem alimenta os pombos, pois se trata de um conceito de saúde pública”.
Camolesi conversou, então, com o biólogo, ornitólogo e doutorando em Ecologia Aplicada pela Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo), Eduardo Alexandrino, que estudou as aves da região central de Piracicaba quando fez o mestrado. O especialista levantou alguns pontos, que o vereador reproduz a Vidal em ofício protocolado na última segunda-feira (20).
Segundo Eduardo, a praça José Bonifácio concentra de 15 a 20 espécies de aves, “algo positivo para uma área central urbana”, onde a atmosfera repleta de prédios “repele” a aproximação delas. “Logo, num primeiro momento, será um grande equívoco diminuir o número de árvores da praça (ou substituí-las por arbustos)”, afirma Camolesi.
“Isso porque as únicas espécies de aves que ocorrem lá potencialmente responsáveis pela sujeira ––ou seja, as possíveis pragas urbanas–– são as que não dependem de árvores na maior parte de seu hábito diário. Trata-se de pardais, pombas domésticas, rolinhas, chupins, andorinhas-pequenas-de-casa, além da avoante (“Zenaida auriculata”). Todas essas espécies conseguem formar os grandes bandos que utilizam as árvores da praça como dormitórios, ocasionando as indesejáveis sujeiras. As demais são espécies que naturalmente ocorrem em menor número e dificilmente caracterizam-se como pragas urbanas”, diz o vereador, reproduzindo as explicações de Eduardo.
“Nesse caso, se as árvores do local forem retiradas em excesso e sem um estudo prévio detalhado com auxílio de especialistas, existe uma enorme chance de o número dessas espécies pragas aumentar consideravelmente. Isso pode ocorrer, pois a oferta de alimento a essas aves e o elevado número de locais para nidificação [“construção” dos ninhos] delas serão algo tremendamente difícil de zerar na praça e seus arredores. Vale lembrar que elas não dependem das árvores para se alimentar ou se reproduzir”, salienta o texto do ofício encaminhado a Vidal.
Camolesi aponta outra “grande consequência negativa” caso a medida estudada pela Prefeitura se concretize: a queda abrupta das aves não prejudiciais, que poderá aumentar ainda mais o número de pragas. “A manutenção de uma elevada diversidade de aves é uma das formas de evitar que haja uma explosão populacional de alguma delas, ou seja, das possíveis pragas”, diz o vereador.
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ALIMENTO ÀS AVES – A proibição de dar alimentos às aves pragas também é vista com cautela por Eduardo. Embora considere que a medida seja um “método eficaz” para controlar a população dessas espécies, a eficiência da multa é questionada pelo especialista.
“Não basta multar apenas as pessoas que são pegas oferecendo alimento na José Bonifácio. Se alguém mais nas redondezas fornecer alimento a elas, todo o esforço na praça central não será 100% eficaz. Além disso, qualquer pessoa que estiver se alimentando na praça e que acidentalmente deixe cair alimento no chão deverá também ser responsabilizada pela manutenção dessas pragas no local”, avalia Eduardo, cuja opinião foi reproduzida no ofício encaminhado a Vidal.
“Não devemos esquecer que estamos falando de espécies bem adaptadas a sobreviver em zonas urbanas. Elas aprenderam a vasculhar, e aproveitar, qualquer coisa que cai no chão. Logo, multar alguns e não multar outros que indiretamente oferecem alimentos será um grande erro e atrairá apenas maus comentários à administração pública.”
Para Eduardo, há outras ações que podem ser adotadas com resultados mais efetivos para o controle das espécies pragas, como diminuir os locais aptos à nidificação delas, plantar árvores em outros pontos da região central e simular a presença de predadores, por um tempo determinado, em alguns pontos estratégicos na praça para afugentar as aves que causam transtornos.
No primeiro caso, o especialista sugere fechar com telas locais que costumam servir de ninhos para as espécies pragas, como caixas para ar condicionado e “esconderijos” nos telhados e sacadas de janelas dos prédios da região central. “O resultado dessa medida seria sentido a longo prazo, mas evitaria o problema permanentemente se somado com as outras medidas implementadas corretamente”, diz o ofício de Camolesi a Vidal.
Quanto ao plantio de árvores em outros pontos do Centro, “diversos estudos realizados em outras cidades no mundo já provaram que as espécies pragas ocorrem principalmente em zonas com pouca cobertura arbórea”. “Esse mesmo resultado foi encontrado para a região central de Piracicaba na pesquisa de Eduardo, que está em vias de ser publicado”, continua o vereador.
“Outro método de manejo a considerar é a simulação da presença de predadores, como falcões e corujas, por meio de modelos empalhados, por um tempo determinado em alguns pontos estratégicos na praça para afugentar as pragas. Infelizmente, o número de pragas existentes na praça excede muito o número de predadores viventes na região (como gavião-carijó, falcão-peregrino, suindara.etc), o que impossibilita que haja um controle populacional das pragas de forma natural. Logo, a adição controlada desses modelos pode contribuir para a dispersão das pragas”, explica outro ponto do ofício.
Camolesi encerra o documento propondo o agendamento de uma reunião com Vidal, a equipe da Sedema que lida com o assunto e demais profissionais da área para discutir mais detalhadamente a questão. O vereador também sugere que sejam firmadas parcerias com a Esalq-USP e o Zoológico Municipal para orientar a população sobre o tema.