A promessa de que o streaming erradicaria a pirataria parecia um caminho sem volta. Mas os números mais recentes mostram o contrário: a pirataria voltou a crescer de forma acelerada desde 2020, e especialistas afirmam que o motivo principal não é o preço, e sim a fragmentação dos conteúdos entre inúmeras plataformas.
O fenômeno tem sido estudado por consultorias internacionais, como a Muso, que monitora o tráfego global de sites ilegais. Segundo o levantamento, o número de acessos a conteúdos piratas saltou de 130 bilhões em 2020 para 216 bilhões em 2024 — um crescimento de quase 70% em apenas quatro anos.
Do “tudo em um” ao labirinto de assinaturas
Quando os primeiros serviços de streaming surgiram, a promessa era simples: acesso fácil, legal e centralizado. No entanto, a multiplicação de plataformas transformou o que era prático em um quebra-cabeça caro e confuso.
Séries e filmes migram de um serviço para outro de forma constante, e até franquias históricas estão espalhadas em catálogos diferentes. Um exemplo emblemático é o de Doctor Who — disponível apenas parcialmente no Disney+, que abriga menos de um quinto da saga completa.
Outro caso é o de Yellowstone, série que deixou uma plataforma para aparecer em outra, forçando os espectadores a assinar um novo serviço apenas para continuar assistindo. Esse tipo de prática tem afastado o público das opções legais, levando muitos a buscar versões completas e gratuitas em sites e aplicativos paralelos.
O novo formato da pirataria: o “streaming não licenciado”
O estudo da Muso aponta que 96% da pirataria atual de filmes e séries ocorre por meio de plataformas de streaming não licenciadas — sites e aplicativos que simulam serviços oficiais, reunindo conteúdos de diversos estúdios em um só lugar.
Esses hubs ilegais oferecem exatamente o que os consumidores desejam: catálogo completo, interface amigável e acesso imediato, sem a necessidade de múltiplas assinaturas.
“A ironia é que a pirataria voltou a crescer justamente porque o público quer conveniência. As pessoas não querem violar a lei, querem apenas um serviço simples”, explica o pesquisador James McPherson, especialista em mídia digital.
O preço é o vilão? Nem tanto.
Apesar de planos mais caros e da introdução de assinaturas com anúncios, o fator econômico não é o principal impulsionador da pirataria.
No Brasil, o custo mensal de assinar as principais plataformas premium — incluindo Netflix, Disney+, Max, Prime Video, Paramount+ e Apple TV+ — pode ultrapassar R$ 340. Ainda assim, o número de assinantes segue crescendo.
A diferença está na oferta desorganizada de conteúdo.
Enquanto o mercado musical consolidou-se em plataformas únicas, como o Spotify, que praticamente eliminou a pirataria de músicas, o cinema e a TV permanecem dispersos, divididos entre catálogos concorrentes e incompletos.
“O público não quer pagar menos, quer pagar uma vez só”, resume a analista Marina Cardoso, da consultoria DataTrends.
Uma queda ilusória
Entre 2023 e 2024, a pirataria global apresentou uma leve queda de 5%, atribuída à escassez de grandes lançamentos e a campanhas de bloqueio de sites ilegais. Mas especialistas veem essa redução como temporária.
A categoria de TV, responsável por boa parte do consumo pirata, teve queda modesta de 6,8%, sinalizando que o hábito segue forte e resiliente — especialmente em países emergentes, onde o custo de múltiplas assinaturas é inviável.
Enquanto isso, os “agregadores ilegais” continuam evoluindo, oferecendo até aplicativos com login e design semelhantes aos serviços originais.
O desafio do futuro
Para analistas, a única forma de combater a pirataria de maneira duradoura é reunir catálogos e simplificar a experiência do usuário. A ideia de exclusividade, que antes servia como diferencial competitivo, hoje se tornou o maior inimigo do streaming.
Enquanto não houver uma solução centralizada e acessível, a pirataria — agora reinventada no formato de “streaming paralelo” — deve continuar crescendo, oferecendo ao público exatamente o que os serviços legais prometeram, mas não conseguiram cumprir.



