O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir procedimento administrativo e afastar do cargo o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira em julgamento online nesta terça-feira (25).
Ele foi flagrado em vídeo ofendendo um guarda civil depois de o agente ter pedido a ele que colocasse máscara de proteção contra o coronavírus, em uma praia de Santos, no litoral de São Paulo.
Siqueira era alvo de três ações: a reclamação disciplinar aberta pelo corregedor-nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, e outras duas representações enviadas pela Associação de Guardas Municipais do Brasil e pela Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos.
Todas pediam instauração de investigação da conduta do magistrado e a última requeria o afastamento temporário até julgamento final do caso.
Relator do caso, o ministro Humberto Martins considerou que há evidências de infração disciplinar por parte do magistrado e votou pela abertura do procedimento administrativo disciplinar (PAD) e pelo afastamento cautelar.
O voto foi seguido por unanimidade pelos conselheiros no plenário do CNJ.
O desembargador deve oferecer defesa prévia em 15 dias.
De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, seis penas podem ser aplicadas a magistrados através do PAD.
Em ordem crescente de gravidade, são elas advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória (estas duas últimas acompanhadas de vencimentos proporcionais ao tempo de serviço) e demissão.
Logo após a repercussão do caso, o desembargador se disse vítima de uma “armação” e que é juiz há 33 anos, desembargador há 12 anos e pessoa conhecida e admirada no meio forense. Depois, pediu desculpas e afirmou que se arrepende da sua atitude.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) informou que Siqueira já foi alvo de mais de 40 procedimentos de apuração disciplinar, mas todos foram arquivados.
Para Humberto Martins, o desembargador agiu de forma “agressiva, autoritária, com menosprezo pela autoridade da segurança pública, que zelava pela vida do magistrado e pela saúde das outras pessoas”.
“Ali, ele não era desembargador, era cidadão. Não estava imbuído de nenhuma autoridade. Isso de ‘você sabe com quem está falando?’ acabou. Somos todos iguais perante à lei”, afirmou.
O advogado Flavio Grossi falou pelo grupo de 42 advogados que fez o pedido de punição. Ele chamou de gravíssima a atitude do desembargador, que “fere toda a classe da magistratura”.
“Foram cinco atitudes que violam a Lei Orgânica da Magistratura, o Código de Ética da Magistratura e denotam abuso de autoridade. E ele foi novamente visto caminhando na orla de Santos sem máscara e debochou uma vez mais dos guardas”, disse.
“Uma coisa que eu ignoro são essas viaturas da guarda. Esses meninos para cima e para baixo. Não dou a menor bola para eles. É um desprazer vê-los poluir a praia”, afirmou o desembargador quando flagrado novamente infringindo a regra municipal.
“São esses que se intitulam tubarões da República que poluem não apenas a praia, mas o Estado democrático de direito. Seu poder se limita aos autos que julga, às paredes do TJ-SP. É uma robusta envergadura condenável”, disse Grossi sobre “a carteirada” dada por Siqueira.
Já o advogado de defesa José Eduardo Rangel de Alckmin afirmou que o desembargador está em tratamento psiquiátrico e toma remédios controlados, o que provocaria alteração em seu comportamento. Os atos, portanto, seriam “em razão dessa circunstância, não de querer ofender”, disse.
Segundo Alckmin, o episódio precisa ser contextualizado, já que havia dúvidas da efetividade do uso da máscara e até quem condenasse o item para prática de exercícios físicos.
“Agora se sabe que não é verdade. Mas ele é cardíaco, precisa fazer exercício por recomendação médica e havia essa dúvida”, disse o advogado, que criticou os guardas municipais por iniciar a filmagem antes do início da abordagem, interromper a fala de Siqueira e “empurrá-lo com alguma força”.
Já as frases disparadas pelo magistrado, o advogado afirmou ser um “festival de nonsense”.
O ministro Humberto Martins afirmou que o suposto tratamento psiquiátrico “não pode prevalecer ao interesse público. Entendemos que o desembargador estava totalmente lúcido”, disse.
Dados do CNJ mostram que 104 magistrados foram punidos no país desde que o órgão foi instituído, em junho de 2005. Destes, 66 foram punidos com a pena máxima de aposentadoria compulsória, com salário proporcional ao tempo de serviço.
O CASO
O caso repercutiu em julho, depois que o desembargador foi flagrado chamando de analfabeto o guarda Cícero Hilário, que lhe pediu que colocasse máscara de proteção facial obrigatória em locais públicos de Santos, no litoral paulista, durante a pandemia do novo coronavírus.
Siqueira chegou a desafiar o agente e seu colega a multá-lo e a insinuou que jogaria a autuação “na cara” dos guardas caso insistissem na notificação.
O desembargador, que acabou rasgando a multa recebida, também ligou para o secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel, e evocou um suposto irmão procurador de Justiça para intimidar os agentes.
Após o episódio, Eduardo Siqueira pediu desculpas em nota por ter se exaltado durante a abordagem e admitiu que nada justifica “os excessos” que cometeu.
Já em resposta aos processos no CNJ, o desembargador afirmou que sua reação se deu por conta da “indignação com o desrespeito a questões jurídicas”. O magistrado alega que os agentes teriam cometido “abuso de autoridade”.
Em São Paulo, o Ministério Público apura outras infrações do magistrado envolvendo o não uso de máscara. A Promotoria investiga se o desembargador cometeu improbidade ao desrespeitar o decreto mais uma vez após imagens feitas por uma moradora de Santos identificá-lo caminhando na praia e falando ao telefone com o protetor facial no pescoço, sem cobrir o nariz e a boca.
No final de julho, o procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, abriu inquérito civil para investigar a conduta do desembargador.