O contraste entre o prestígio do Oscar e o abandono da história da TV brasileira expõe a hipocrisia da indústria
O anúncio da Prefeitura do Rio de tombar o casarão onde foi filmado “Ainda Estou Aqui”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional 2025, e transformá-lo em um Museu do Cinema Brasileiro, é, sem dúvida, um marco para a cultura nacional. No entanto, a ironia da localização não poderia ser mais cruel: para chegar ao novo museu, turistas e cinéfilos passarão ao lado e embaixo das ruínas da antiga TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina, que segue abandonada e esquecida, como um túmulo da memória da TV brasileira.
O contraste entre o reconhecimento mundial do cinema nacional e o descaso com a história da televisão expõe a hipocrisia da indústria e a desunião entre as próprias emissoras. Enquanto o Brasil comemora a vitória no Oscar, o berço da TV nacional continua desmoronando, sem nenhum movimento real para sua recuperação.
Das glórias da Tupi ao esquecimento
Fundada em 1950 por Assis Chateaubriand, a TV Tupi foi a pioneira da televisão no Brasil e palco de momentos históricos, como a primeira telenovela, os primeiros telejornais e programas de auditório que moldaram o que conhecemos hoje como TV aberta.
A emissora sobreviveu por 30 anos, até fechar suas portas em 1980, deixando seu legado para trás. O prédio principal, onde funcionavam os estúdios da Urca, teve destinos variados, mas parte dele ainda está de pé. O mesmo não pode ser dito do anexo da emissora, que permanece em ruínas, como um triste símbolo do descaso com a memória da comunicação brasileira.
Para piorar, as próprias emissoras concorrentes nunca se uniram para preservar esse legado. Globo, SBT, Record e Band, que nasceram sob a influência da Tupi e disputam audiência até hoje, jamais mostraram qualquer interesse em criar um projeto conjunto para resgatar essa parte da história.
Cinema glorificado, TV esquecida
Enquanto os holofotes estão voltados para a vitória de “Ainda Estou Aqui”, que trouxe para o Brasil sua primeira estatueta de Melhor Filme Internacional, a TV brasileira segue em um processo de desmonte silencioso.
A ironia não para por aí. O próprio título do filme vencedor do Oscar carrega um trocadilho involuntário com o que acontece na Urca: a TV Tupi, mesmo abandonada, ainda está ali, como um fantasma de um passado que a indústria insiste em ignorar.
Se o Brasil está finalmente investindo no reconhecimento do cinema, por que não há um esforço semelhante para a televisão? Se os Estados Unidos têm o Museu da Televisão e Rádio, com acervos da CBS, NBC e ABC, por que o Brasil não tem sequer um espaço digno para homenagear a TV Tupi?
A ironia das emissoras que estão virando peças de museu
O descaso com a memória da TV Tupi é ainda mais paradoxal quando olhamos para o futuro da televisão aberta no Brasil. Com a ascensão do streaming e o declínio da audiência tradicional, as emissoras que hoje ignoram o passado estão, ironicamente, se tornando peças de museu.
A Globo perde cada vez mais espaço para o YouTube e o TikTok. O SBT, outrora uma potência do entretenimento, luta para manter sua relevância. A Record, que já foi a maior rival da Globo, aposta em polêmicas para sobreviver. E a Band, que um dia foi inovadora, mal consegue competir.
Ao invés de se unirem para preservar a história da TV, essas emissoras estão presas em uma guerra de audiência cada vez mais irrelevante, disputando números cada vez menores, enquanto ignoram o próprio futuro.
O Brasil conseguiu um Oscar histórico, mas continua incapaz de valorizar sua própria história na comunicação.
Quem preserva a história da TV no Brasil?
Se depender das grandes emissoras, a resposta é ninguém. Enquanto o Museu do Cinema ganha força e a vitória do Oscar é celebrada, a TV Tupi continua desmoronando à vista de todos.
O Brasil pode ter vencido no cinema, mas na televisão, perdeu há muito tempo.