DAVID LORENZON FERREIRA
DIÁLOGO COM O ESPELHO MEU!
Sentei-me outro dia em frente ao espelho, onde comecei a notar as marcas que o tempo tem deixado em mim. Ao lado, sobre uma mesinha, repousa um porta retrato com duas de minhas fotos tiradas há menos de 10 anos. É claro que existem mudanças nítidas, como o meu peso corpóreo, por exemplo, mas há traços que se perderam com o tempo, porém ao fitar meus olhos, encontrei-me sereno e feliz, como em outros tantos momentos de minha vida.
Quanto mais velho um vinho tenha sido engarrafado, o prazer em degustá-lo será cada vez maior. Percebi com o tempo que somos como uma velha adega, onde cada garrafa guarda o melhor que pode haver dentro de nós, ao mesmo tempo em que também engarrafamos o pior de nossa essência dentro desta safra da existência humana; esperando que esta tenha se transformado em vinagre, mas útil também. Mas o ano da minha safra é um segredo que poucos devem sabem.
A reflexão é a ferramenta mais eficaz para nos avaliarmos, não apenas sobre o que no passado jaz repousa afinal, mas principalmente para que nossas ações presentes sejam por fim pensadas e repensadas, almejando assim melhor resultado na práxis da vida atual, tentando desta maneira, evitar futuros arrependimentos para os próximos capítulos.
Ao refletirmos sobre nós mesmos, dialogamos com nosso pior inimigo, pois não existe uma pessoa melhor para nos apontar o dedo e nos acusar das falhas que cometemos durantes todos esses anos passados do que nós mesmos. Acredito que todos concordem que um segredo só permanecerá sendo um segredo, se apenas nós o conhecemos. A partir do momento em que duas pessoas passam a compartilhar sobre um determinado assunto, ele deixou de ser por fim um segredo.
Mirando-me no espelho, fito meus olhos para dialogar com aquele que se esconde por detrás desse espelho d’alma, prendendo minha atenção com imagens arrancadas de minha memória, pontuadas com lágrimas de saudade de uma felicidade incontestável ou mesmo de uma finada tristeza. A nostalgia percorre toda a minha vida em poucos segundos, aprofundando-se nas lembranças geradas em tenra idade, dando ênfase aos fatos mais relevantes pelas quais eu tanto vivi a rir ou mesmo a chorar, como se minha autobiografia póstuma já estivesse por fim terminada.
Muitas vezes nos perdemos na leitura de nós mesmo, pois se não prestarmos muita atenção nas devidas entrelinhas, todo esse ensaio da vida que ainda está por vir, se parecerá com uma paisagem sem falas, sem coadjuvantes, sem enredo, sem sentido, sem mim por fim; já que eu passaria a ser apenas o meu próprio espectador e não o ator de meus próprios atos.
Dizem que não nos conhecemos plenamente e que quando vivenciamos experiências em situações inusitadas, nos encontrarmos encurralados pelo medo do desenvolvimento de fatos novos e repentinos, e, é aí que mostramos nossa outra face – aquela encoberta pelo pavor de assistirmos o que há de pior em nós mesmo, dada pela falta de oportunidade em contracenar com ela no compasso da vida a que estamos acostumados a encenar diariamente perante aqueles que nos são caros e queridos. Sigo agora na estrada da vida, escrevendo e reescrevendo minha história, até quando Deus assim o permitir.